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Provocações Filosóficas da fala de ( Luiz Felipe Pondé )

A sociedade de mercado, gostemos ou não, produz ressentimento de forma quase inevitável. Isso acontece porque ela se estrutura a partir da comparação constante. Há pessoas mais capazes do que outras, mais inteligentes, mais bonitas, mais bem-sucedidas. Hoje está na moda repetir que “todo mundo é legal”, que todos são igualmente bons, mas ninguém acredita de verdade nisso. No fundo, todos sabem que é uma mentira conveniente.
 
Para compreender o ressentimento, é preciso lembrar da própria vida. Todo mundo já conviveu com alguém que era melhor em alguma coisa. Na escola, no trabalho, na vida social. Alguém que se destacava mais, que parecia ter mais facilidade, mais reconhecimento. A reação espontânea, muitas vezes, não é admiração, mas raiva. Dizer que isso não acontece é hipocrisia travestida de bons sentimentos.
 
Vivemos num mundo que se apresenta como cheio de empatia, acolhimento e virtude. Um mundo tão repleto de bons sentimentos que, em tese, as pessoas deveriam andar pelas ruas se abraçando. Mas, na prática, esses discursos muitas vezes funcionam como marketing moral. Quando levados às últimas consequências, revelam relações profundamente desiguais disfarçadas de empoderamento mútuo, quando na verdade reproduzem dependência, exploração e ressentimento.
 
O ressentimento nasce justamente desse choque entre o que se acredita merecer e o que se tem. Quando alguém encarna aquilo que julgamos impossível ou injusto, o incômodo se intensifica. A pessoa não é apenas competente, ela é competente demais. Não é apenas feliz, é feliz demais. Isso se torna insuportável.
 
Há um filme que ilustra bem essa dinâmica. Nele, um vendedor de carros simples, já com mais de cinquenta anos, é extremamente bem-sucedido no trabalho, querido pelos clientes e, além disso, feliz na vida pessoal. Toda sexta-feira, leva flores para a esposa, com quem está casado há décadas. O chefe, um homem amargurado, divorciado várias vezes, não suporta aquilo. Ele se convence de que aquela felicidade é falsa, que algo está errado, que aquela mulher “não pode existir”.
 
Movido pelo ressentimento, o chefe passa a perseguir o funcionário até demiti-lo. A demissão lhe traz alívio, como se tivesse finalmente desmascarado uma farsa. Mas o ressentimento não se encerra ali. Algum tempo depois, ele reencontra o ex-funcionário, agora dono de uma loja própria, ainda mais feliz e bem-sucedido. O homem o abraça e agradece, dizendo que, graças à demissão, teve coragem de fazer o que sempre quis.
 
Essa cena revela algo profundamente perturbador. Não há humilhação maior do que não odiar quem nos odeia. Não há afronta mais radical do que agradecer a quem nos perseguiu. O ódio exige fidelidade, mais até do que o amor. Maquiavel já observava que o ódio é mais duradouro, mais constante, mais exigente. O amor precisa ser cultivado; o ódio está sempre presente.
 
O filme não é uma história motivacional comum. Ele expõe uma exceção, não a regra. A maioria das pessoas não reage ao ressentimento com superação. A maioria não transforma a dor em mudança. A maioria não é tão feliz assim. Justamente por isso, o ressentimento é tão difundido.
 
O ressentimento é essa sensação corrosiva de que se merecia mais, de que o mundo foi injusto. Quando encontramos alguém que parece ter aquilo que nos falta, o sentimento se intensifica. Se a pessoa ainda for arrogante, isso oferece algum alívio moral. Mas quando ela é feliz, generosa e discreta, o ressentimento se torna insuportável.
 
Por isso, a sociedade contemporânea, organizada em torno da competição, do desempenho e da comparação constante, produz ressentimento em larga escala. Um ressentimento que alimenta o culto da vítima, da vulnerabilidade e da queixa permanente. Não como superação da dor, mas como forma de justificar a incapacidade de lidar com ela.
 
Transcrição feita e adaptada pelo Provocações Filosóficas da fala de Luiz Felipe Pondé no trecho da palestra “Dor e mudança: a cultura da vitimização, em Maringá-PR, no Teatro Marista, no dia 12/07/2017.

Autor: Eduardo Gomes
Data: 15/12/2025

 

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